A incrível estória do plano que nasceu morto – Parte 1
By kov
Das coisas engraçadas que eu ouvi enquanto assistia o streaming do segundo encontro dos blogueiros progressistas nenhuma superou a resposta do Paulo Bernardo quando questionado sobre por que não se colocava banda larga sob regime público. O Ministro argumentou que o Estado não tinha dinheiro para fazer tudo sozinho, então que precisaria da ajuda das empresas privadas.
Ou o Ministro achou que o questionador não sabia do que estava falando ou não sabia ele mesmo. A diferença entre regime público e regime privado não tem nada a ver com quem faz o investimento ou presta o serviço, mas tem muito a ver com a forma que esse serviço é prestado, que metas são estabelecidas e que recursos podem ser utilizados. Diz a Lei Geral de Telecomunicações:
Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de telecomunicações classificam-se em públicos e privados.
Parágrafo único. Serviço de telecomunicações em regime público é o prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de universalização e de continuidade.
Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.
Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.
Ou seja, se o serviço está em regime público o Estado está comprometido com assegurar sua universalização e a empresa é concessionária do serviço e tem que se pautar pela regulação do Estado no setor. Não só isso, mas poderá dispor dos recursos do FUST, como já bem lembrou João Brant. Hoje somente a telefonia fixa está em regime público, portanto só as empresas que prestam serviços de telefonia são consideradas concessionárias de serviço público, mas a prestação de serviço de banda larga não.
Então quando o participante perguntou ao Ministro: “por que não colocar banda larga em regime público?” ele não estava querendo saber por que o Estado não atuava como (único?) empresário do setor, mas sim se o governo teria bolas pra chamar pra si os deveres e a queda de braço que transformar a banda larga em serviço público concedido trariam. A própria LGT fala o que é preciso pra isso:
Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto:
I – instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;
Pelo visto o governo não tem bolas pra isso, não. Aí com certeza vai vir alguém e falar de algum impedimentozinho como “a iniciativa tem que partir da ANATEL”. Todos os conselheiros da ANATEL hoje foram indicados por Lula. Além disso, se julgarem necessárias mudanças na lei, ora, façam! Não teve muita dificuldade em mudar o Plano Geral de Outorgas para permitir a fusão da Oi com a BrT, teve?
Se você é petista daqueles que gritaram ForaFHC e adoram colocar nele a etiqueta de neoliberal é um bom momento para se deliciar com as ironias de a ação do governo petista estar se mostrando menos alinhada com um Estado regulador e garantidor da universalização, mesmo que uma lei aprovada por FHC dê a ele os mecanismos para isso.