Um exemplo de Brasil
By kov
No começo dessa semana, o programa CQC (de quem eu ainda espero alguma piadinha pela mancada do Bóris, btw, porque isso é uma vergonha ;D) nos prestou um serviço importantíssimo: colocou nua e cruamente na TV um flagrante de funcionários públicos se apropriando de uma doação de TV de plasma feita pelo programa com um GPS dentro para que se soubesse onde foi parar. Mas não sem antes ter a exibição censurada por uma juíza sem noção que acatou um pedido de liminar do prefeito da cidade de Barueri, Rubens Furlan (PMDB – ugh).
Santa tecnologia, Batman. Mas o mais triste dessa história não foi essa instância em si ter ocorrido. O triste é que esse é só um exemplo do que acontece praticamente todos os dias, em praticamente todos os lugares do Brasil. O triste mesmo é que a chance de que cada um de nós tenha gente próxima – amigos, familiares que fazem coisas do tipo é muito alta.
E o pior mesmo é que essas mesmas pessoas reclamam da corrupção dos políticos, talvez tenham se indignado com o exibido no quadro, mas no dia seguinte foram para seus empregos públicos torrar dinheiro dos cidadãos imprimindo convites de festa dos filhos na gráfica do órgão, deixando de declarar ligações pessoais feitas em telefones celulares funcionais, passando gente conhecida na frente em serviços públicos, dando carteirada para entrar em shows e bares. Quem não conhece gente que, assim como as pessoas exibidas na reportagem, confundam o público com o privado? Eu conheço e conheci um monte na minha vida, até aqui.
Quando eu trabalhava no Ministério do Desenvolvimento Social, por exemplo, indo de um prédio a outro no carro do Ministério, para uma reunião, presenciei uma das cenas mais insólitas da minha vida: o motorista se gabava de como trabalhava “voluntariamente” num hospital público e falava de como estava se “agarrando” a um deputado que o poderia oficializar como funcionário no hospital. Para demonstrar quão bom ele era para o hospital, descreveu casos em que passou gente na frente em filas de atendimentos. “Que benção!” foi a resposta dos outros funcionários. “Benção”? Pra mim isso é crime. Claro que ele ajudou algumas pessoas, mas em detrimento de quantas? Pra exemplificar numa escala de dano reduzida, sabe aqueles motoristas que, numa fila, saem para o acostamento e voltam à pista quando encontram um obstáculo no acostamento? Eles se deram bem, mas todos os carros que estão entre a posição que eles ocupavam e a nova posição foram prejudicados. Que direito eles acham que têm de causar esse dano a tantos?
Num evento de Software Livre em Goiás que participei um tempo atrás conheci um policial civil que se gabava de encher o computador do trabalho de vídeos e músicas e de dar carteirada para entrar em shows e bares. Na primeira menção nossa de que isso não era muito bacana ele insinuou rapidamente que era melhor nós tomarmos cuidado com o que iríamos falar, porque ele nos poderia prender por desacato.
Eu poderia continuar dando exemplos um atrás do outro aqui. O triste não é o caso de Barueri. O triste é saber que isso é praticamente a regra, que se você vai contra a regra é em geral considerado “bobo” e principalmente que a maioria das pessoas que são corruptas não consideram sua corrupção “tão ruim quanto” a dos políticos e ainda tem a cara de pau de reclamar dos deputados que fazem como eles e se aproveitam da máquina, ou de ficar pegando no pé do presidente da República. Sinceramente, a corrupção é muito mais danosa e muito mais difundida pra baixo do segundo escalão.
No Brasil, se já não bastasse o gigantesco corporativismo dos funcionários públicos, pessoas que não fazem parte do funcionalismo acabam por defender os marajás (pelo menos quando não estão na fila de uma repartição). Por quê? Porque o sonho brasileiro é ser funcionário público, ter estabilidade garantida e poder trabalhar quando quer, então não existe interesse em tirar vantagens da posição que é cobiçada.
O que o CQC nos prestou foi um serviço importantíssimo. Foi uma injeção de indignação, que sempre faz falta para lembrar de quanto ainda falta para nós evoluirmos como sociedade. Espero que eles exponham mais e mais casos como esse. Quem sabe as pessoas não começam a ter vergonha de serem corruptas?
E ao Rubens Furlan eu quero desejar que reconsidere o significado dos seus vinte e quatro anos de “luta pela democracia” e se olhe no espelho. Babaca.